ENTREVISTA COM:

WARREN BENNIS

O TALENTO DOS GRANDES GRUPOS

 

As grandes idéias saem de grandes grupos comandados por líderes excepcionais. São pessoas capazes de realizar feitos notáveis e de motivar as suas equipas a fazerem o mesmo, mas raramente têm idéias brilhantes.
O que importa é terem a capacidade de abandonar o ego ao talento dos outros e conseguirem farejar boas idéias à distância

Por Joel Kurtzman

 

Warren Bennis chamou a atenção pela primeira vez quando, em 1964, no meio da guerra fria, publicou, juntamente com Philip Slater, cientista social, um artigo na Harvard Business Review, no qual defendiam que a democracia era uma força imparável.
A premissa da peça é que a democracia é um sistema de valores superiores e mais funcionais do que os valores dos outros sistemas. Valores, segundo a sua opinião, não são apenas uma colecção das qualidades e atitudes de um grupo, antes determinam as coisas que o grupo faz e a forma como as faz. Como tal, são vitais para o grupo alcançar os seus objectivos.
Quando começou a estudar negócios, voltou a levantar a questão. Os grandes líderes são capazes de realizar grandes feitos e de motivar os seus seguidores para fazerem o mesmo, escreveu, porque são capazes de articular e incorporar os valores dos grupos que lideram.

Strategy & Business — Qual a importância dum líder num grupo?
Warren Bennis — Sem um líder fantástico, não se consegue ter um grande grupo. Mas também é verdade que não vai conseguir ter um grande líder sem um grande grupo.

O que é que é necessário para assegurar o sucesso de um grupo?
W. B. — Talvez o factor-chave seja encontrar um significado naquilo que se faz, isto é, como é que se leva as pessoas a acreditarem que o que estão a fazer é, de certa forma, equivalente a procurar o Santo Graal.
Isto é mais do que ter uma visão. Podemos ver a diferença na frequentemente citada forma como Steve Jobs foi buscar John Scully para assumir o comando da Apple. Na altura, Sculley estava destinado a tornar-se o presidente da PepsiCo. O clique deu-se quando Jobs lhe perguntou: «Quantos anos mais vai dedicar a fazer água corada quando tem a oportunidade de mudar o mundo?»
Por isso a visão tem de ter um significado profundo. Tem de ter alguma ligação com o mundo em mudança, com uma missão divina.

Os grupos que descreve como sendo grandes são, de certa forma, entidades fechadas, apesar de estarem de alguma forma ligados ao mercado.
W. B. — É verdade. Não tenho a certeza que seja um paradoxo, mas certamente que é estranho. Por um lado, estes grupos são ilhas. Por outro, têm antenas dirigidas para o exterior.
Por exemplo, J. Robert Oppenheimer, a força criativa por trás do Projecto Manhattan, sabia onde encontrar jovens físicos brilhantes para desenvolver a bomba atómica. Apesar de estar em Los Alamos, e Deus sabe como é um lugar longínquo, foi capaz de percorrer todo o país para recrutar os melhores cérebros disponíveis. Tinha um Rolodex dentro da cabeça antes do aparelho ter sido inventado. Dito de outra forma: os grupos são fechados em si mesmos e protegidos, mas no entanto também têm redes para saberem o que se passa no mundo real.

Mas como é que fazem isso? Afinal, muitas das grandes coisas que surgem destes grupos são muito radicais. E no entanto encaixam-se de alguma forma no contexto de qualquer mercado.
W. B. — É aí que entra outro aspecto da capacidade de fazer desobertas, porque poderia ser um grupo que estivesse isolado, que estivesse a fazer o que julgasse ser um notável avanço paradigmático, sem ter na realidade qualquer impacte no mercado nem ligação com as necessidades ou interesses das pessoas. É aqui que é preciso ter muita sorte. E é aqui também que a liderança é importante.

Onde é então que o líder se encaixa na figura?
W. B. — Para começar, é necessário um líder para proteger o grupo das forças desestabilizadoras do exterior e para possuir uma espécie de Rolodex no céu para saber o que é que se passa. Líderes como Bob Taylor e John Seely Brown, do Centro de Investigação de Palo Alto, Peter Schneider e Jeffrey Katzenberg, da Disney, e Kelly Johnson, da Lockheed, foram todos capazes de recrutar as suas tropas e de as proteger dos ataques, mantendo simultaneamente uma forte ligação com o mundo exterior. Nesse sentido, os líderes são verdadeiros protectores. Kelly Johnson, por exemplo, entrou para o conselho de administração da Lockheed para poder manter os burocratas afastados da criatividade que se estava a desenvolver.

Um líder pode ser criador e protector simultaneamente, apesar de representarem estados de espírito e formas de funcionamento diferentes?
W. B. — Sim, podem ser desempenhados pela mesma pessoa, por um motivo muito interessante: o líder, quer esteja a desempenhar um dos papéis ou ambos, raramente é a pessoa mais brilhante do grupo. Possuem um gosto extraordinário, o que os torna curadores, não criadores. São apreciadores do talento e sabem cuidar dele, têm a capacidade de reconhecer ideias valiosas. Creio que foi Ben Rich, que sucedeu a Kelly Johnson na Lockheed, que me disse: «Reconheço sempre uma boa ideia quando a oiço, devido ao sentimento de terror que me assalta.» Tem um grande faro para ideias, como um bom editor.

Então o líder tem a função de encontrar a ligação ao mercado?
W. B. — Sim, exactamente. Ele é a pessoa que vai para o mundo exterior, que é capaz de trazer para uma audiência de executivos o trabalho do verdadeiro génio criativo do grupo. É o vendedor. Ele é o tradutor, o facilitador, o ponto de articulação entre os génios do grupo — quem é que está a fazer grandes coisas, a produzir ideias grandes e inovadoras — e o público, o mercado. É ser capaz de vender o sonho às pessoas que não estão perto dele.

E como é que se encontram as pessoas certas?
W. B. — Começa por ser necessário pessoas que sejam capazes de brincar juntas numa caixa de areia, nas palavras de Peter Schneider, presidente do estúdio de animação da Disney. Isso significa um sentimento de compatibilidade e vontade de encarar o trabalho de uma forma muito séria. Também significa que a equipa deveria ter o direito a dizer quem é que pode entrar e quem é que não pode, o que por vezes significa sujeitar o recruta a uma experiência desagradável.

Por que é que as pessoas procuram desesperadamente agradar mesmo a líderes difíceis como Steve Jobs?
W. B. — Estes líderes são a encarnação do sonho, duma forma de excelência. Jobs e Disney são encarnações do que poderia tornar aquele grupo grande. E se se vive isso, quer-se alcançar isso.
Eles têm esta incrível intuição para detectar talento. Apesar de terem egos pré-Copérnicos, são capazes de conseguir as pessoas que sabem fazer o que eles não sabem. Isso significa que são capazes de abandonar os seus enormes egos ao talento dos outros.

É importante que um líder possua um sentido de marcações e medidas?
W. B. — Absolutamente. Não basta existir um prazo limite, é necessário haver uma métrica clara, é preciso manter isso em frente do grupo. E com uma regularidade monótona o líder tem de relembrar as pessoas do que é importante. Se o grupo não apresentar o trabalho em determinada data então «os alemães vão chegar primeiro» ou «outro concorrente qualquer vai fazer este novo PC antes de nós». Tem de existir sempre uma espécie de noção assombrada de um prazo a cumprir. Estes grupos são ferozmente competitivos e a única forma de ser ferozmente competitivo é saber que existem datas, medidas, e que existe um produto. Os grandes grupos têm mesmo de SHIP.

Por definição, estes grupos avançam em territórios sem mapas. Como é que sabemos quais é que devem ser as medidas?
W. B. — Às vezes não sabemos. Esse sentimento de que podemos fazer algo que ainda ninguém fez é quase um optimismo desenfreado. Como é que eles sabiam que podiam realmente fazer uma bomba atómica? Até à manhã em que fizeram explodir a primeira, eles não tinham a certeza. Tinham de ter uma certa inocência — eles não sabiam que não poderia ser feito. É por isso que a juventude é muito interessante aqui, porque não sabe o que não sabe.
Como é que se estabelece uma métrica? Através de um produto e de um prazo. Mas não creio que se possa estabelecer uma meta da forma usual a priori.

Juntando tudo isto, parece claro que estes grandes grupos são de facto criaturas muito especiais. O que significa que não se pode gerir uma compahia inteira como se fosse um grande grupo.
W. B. — Não, não creio que se possa fazer isso. Seria muito difícil imaginar uma grande organização permanentemente preenchida por grandes grupos. Mas é imperativo que as pessoas dos recursos humanos e os CEO tenham consciência das condições necessárias para criar grupos electrificantes que marcam realmente a diferença — e que lutem para lhes dar um lar.
Mas como é que faz para que todos os grupos da organização façam esse tal grupo e os seus elementos sintam que o seu trabalho tem um significado para eles? O problema é que muitas pessoas da organização podem ter visão, mas o seu trabalho não tem qualquer significado. Elas até já se esqueceram porque é que lá estão, e é por isso que as burocracias se tornam pesadas e obsoletas.
Assim, as lições dos grandes grupos são importantes para todas as organizações, porque nos encorajam a aspirar sermos mais do que aquilo que somos.

Como é que há grandes grupos que surgem espontaneamente?
W. B. — É uma combinação de todas essas coisas. Em parte pode ser sorte atingirem uma veia, um pouco como quando se perfura para encontrar petróleo. Nas entrevistas que fazemos (e eu já fiz muitas) andamos às voltas a esquadrinhar. Especialmente quando entrevistamos pessoas conhecidas, porque elas têm um guião e já contaram as suas histórias dezenas de vezes. Mas de vez em quando, fazemos uma pergunta e acertamos em cheio. É como uma veia que se abre.

Quer eu esteja a liderar um grande grupo ou um grupo normal, que quantidade de conhecimento devo revelar?
W. B. — Deve revelar o máximo possível, mas sem assustar as pessoas. O que eu aprendi quando era presidente da universidade foi que nem sempre se pode falar acerca das nossas inseguranças. Não interessa partilhar coisas que vão diminuir o entusiasmo. As pessoas podem não acreditar que os seus líderes são omniscientes, mas têm um certo interesse em pensar que um líder tem segurança suficiente para as guiar através de estradas traiçoeiras. Uma das características dos líderes dos grandes grupos é a perspectiva — fornecer um sentido de destino e de consciência das condições que têm de enfrentar
A arte da liderança é saber a quantidade de informação que vai transmitir para manter as pessoas motivadas e ser o mais honesto e frontal possível. Mas realmente não existem limites.

E os grupos que falham?
W. B. — Encobrem as coisas. Não encorajam ideias diferentes, não as recompensam.

Michael Eisner, da Disney, diz que quer criar uma organização em que as falhas sejam toleradas. Um grande grupo tem de tolerar uma má jogada ou um falhanço total?
W. B. — De um modo geral, sim. É óbvio que não se pode falhar eternamente. Mas isso não significa que se entre numa coisa a pensar que vai falhar. Existe um produtor-realizador pelo qual eu tenho o maior dos respeitos — Sidney Pollack. Consegue quem quer para trabalhar com ele porque as pessoas sabem que o filme vai ser óptimo. Tem a capacidade para criar estes grandes grupos todas as vezes que sai, ele mesmo o afirma, citando Susan B. Anthony: «Falhar é impossível.» Uma das histórias maravilhosas que ele me contou foi acerca da filmagem de The Way We Were com a Barbra Streisand e Robert Redford. Barbra dizia que não conseguia chorar e precisava de amoníaco para que as lágrimas caíssem. Mas Pollack queria lágrimas sem auxiliares. Sabia que uma pessoa capaz de cantar com a emoção que ela tem é capaz de chorar. Por isso, no momento em que era suposto ela chorar, disse ao assistente de realização para não filmar antes de ele a abraçar. Quando o fez, as lágrimas saltaram, «baldes» de lágrimas. «Foi um impulso abençoado», como ele lhe chamou, que conseguiu fazer a coisa.
Bem, quando se trabalha com Pollack, sabe-se que se está nas mãos de uma pessoa muito competente. E isso leva-nos, e ao resto do grupo, a fazer mais do que nos julgávamos capazes. É o mesmo tipo de dar e receber que experimentei quando era um jovem líder de pelotão — no início recebi confiança das tropas e em seguida retribuí-lhes confiança.

Existem exemplos de grandes grupos muito directos, hierárquicos, de cima para baixo? Ou existe sempre o sentimento de partilha?
W. B. — Não creio que o seu sucesso seja possível sem uma enorme quantidade de regozijo e celebração, liberdade para expressar ideias diferentes e arrojadas, sem ser mandado calar. Não estou a dizer que tenha de existir sempre um líder sábio e sensível. Mas tem de existir sempre a sensação de que uma boa ideia compensa. Mesmo se estivermos perante o maior e mais aclamado executivo do momento, Jack Welch, sabemos que, por mais duro que ele seja, se apresentarmos uma ideia realmente fantástica, as luzes acendem-se na sua cabeça.

 

Condensado de Thought Leaders — Insights on the Future of Business, de Joel Kurtzman. © 1998 by Jossey-Bass Publishers. Publicado com a permissão de Jossey-Bass Publishers. Traduzido por Catarina Ferrer.

Texto extraído da Internet (On Line) disponível no endereço: http://www.centroatl.pt/edigest/edicoes/ed48manag1.html

Consultado em 25/06/2001.