PETER DRUCKERO FUTURO JÁ CHEGOU
O comércio electrónico está a transformar o comportamento dos consumidores, os padrões de poupança e a estrutura das indústrias. Enfim, está a revolucionar a economia, como o caminho-de-ferro fez em 1829Por Peter Drucker O impacte verdadeiramente revolucionário da revolução da informação está apenas a começar a sentir--se. Mas não é a informação que vai gerar tal impacte. Nem a inteligência artificial. Nem o efeito dos computadores sobre os processos de decisão, a determinação de políticas ou a criação de estratégias. É algo que praticamente ninguém previa, que nem mesmo era comentado há 10 ou 15 anos: o comércio electrónico — ou seja, a emergência explosiva da Internet como o importante (e, talvez com o tempo, o mais importante) canal mundial de distribuição de bens, de serviços e, surpreendentemente, de empregos na área da gestão. É ela que está a provocar transformações profundas na economia, nos mercados e nas estruturas de indústrias inteiras; nos produtos, nos serviços e nos seus fluxos; na segmentação, nos valores e no comportamento dos consumidores; nos mercados de trabalho e de emprego. Mas talvez seja ainda maior o impacte exercido sobre a sociedade, a política e, sobretudo, sobre a visão que temos do mundo.Ao mesmo tempo, novas e inesperadas indústrias vão surgir. Uma delas já está entre nós: a biotecnologia. Outra é a criação de peixes. Nos próximos 50 anos, a criação de peixes pode transformar-nos de caçadores e pescadores em pecuários marinhos. Exactamente como, há mais ou menos 10 mil anos, uma inovação semelhante transformou os nossos ancestrais de caçadores em agricultores e pastores. É provável que outras tecnologias surjam de repente, levando à criação de novas indústrias. É impossível dar um palpite quanto à sua natureza. Mas que elas vão surgir, e em pouco tempo, é altamente provável. Na verdade, é quase certo. E é quase certo que poucas virão dos computadores e da informática. Como a biotecnologia e a criação de peixes, cada uma surgirá a partir de tecnologia própria e inesperada. É claro que isto tudo não passam de previsões. Mas elas são feitas com base na premissa de que a revolução da informação vai seguir o mesmo caminho percorrido por várias outras evoluções tecnológicas nos últimos 500 anos, desde a revolução da imprensa, iniciada por Gutenberg em 1455. A revolução da informação vai ser semelhante à Revolução Industrial do final do século xviii e início do século xix. E, de facto, é exactamente assim que a revolução da informação tem sido nos seus primeiros 50 anos.
A revolução da informação encontra--se no ponto em que a Revolução Industrial estava no início da década de 1820, cerca de 40 anos depois da máquina a vapor aperfeiçoada por James Watt ter sido aplicada a uma operação industrial — a fiação de algodão. E a máquina a vapor foi para a primeira revolução industrial aquilo que o computador tem vindo a ser para a revolução da informação: o seu gatilho, mas, sobretudo, o seu símbolo. Hoje, quase todas as pessoas acreditam que nunca alguma coisa avançou tão rapidamente ou exerceu tamanho impacte na história económica como a revolução da informação. Mas a Revolução Industrial avançou pelo menos tão rapidamente como ela no mesmo espaço de tempo e exerceu, provavelmente, um impacte igual — se não maior. Resumindo: ela mecanizou a maioria dos processos de fabrico, começando com o do produto industrial básico mais importante do século xviii e início do xix: os têxteis. A Lei de Moore diz que o preço do elemento básico da revolução da informação, o microchip, cai 50% em cada 18 meses. O mesmo se aplicava aos produtos cujo fabrico foi mecanizado pela Revolução Industrial. O preço dos tecidos de algodão caiu 90% nos primeiros 50 anos do século xviii. Durante o mesmo período, a produção de tecidos de algodão foi multiplicada por 150, apenas na Grã-Bretanha. Embora os têxteis fossem o produto que mais chamava a atenção no início da Revolução Industrial, esta também mecanizou a produção de praticamente todos os outros produtos mais importantes, como o papel, o vidro, o couro e os tijolos. O impacte não se limitou aos bens de consumo. A produção de ferro e dos seus derivados — o arame, por exemplo — mecanizou-se e passou a ser movida por máquinas a vapor, na mesma velocidade que os têxteis e com os mesmos efeitos sobre os custos, preços e volumes produzidos. O comércio electrónico representa para a revolução da informação o que os caminhos-de-ferro foram para a Revolução Industrial: um avanço inesperado. E como os caminhos-de-ferro de há 170 anos, o comércio electrónico está a gerar um boom distinto, provocando transformações aceleradas na economia, na sociedade e na política. Na nova geografia mental criada pelos caminhos-de-ferro, a humanidade dominou a distância. Na geografia mental do comércio electrónico, a distância foi eliminada. Existe apenas uma economia e um mercado. Uma consequência disso é que toda a empresa precisa de se tornar competitiva ao nível global, mesmo que produza ou venda apenas num mercado local ou regional. A concorrência já deixou de ser local. Na verdade, não conhece fronteiras No comércio electrónico não existem empresas locais nem empresas distintas. Onde produzir, como e onde vender continuarão a ser decisões importantes para as empresas. Mas é possível que, dentro de 20 anos, elas já não determinem o que a empresa faz, nem como ou onde faz. Ao mesmo tempo, ainda não está claro que tipo de produto ou serviço será comprado e vendido através do comércio electrónico nem que tipo será inadequado para ele. Isso tem acontecido cada vez que aparece um novo canal de distribuição. Nos seus primeiros 50 anos, a imprensa disponibilizou, a preços cada vez mais acessíveis, produtos de informação e comunicação tradicionais. Mais tarde, cerca de 60 anos após Gutenberg, surgiu a Bíblia alemã de Lutero. Milhares de cópias foram vendidas quase imediatamente a um preço inacreditavelmente baixo. Com a Bíblia de Lutero, a nova tecnologia de reprodução de imprensa abriu caminho para uma nova sociedade. Abriu caminho também para o protestantismo, que conquistou metade da Europa e, no prazo de 20 anos, forçou a igreja católica a reformar-se. Ao mesmo tempo que Lutero utilizou a imprensa com a intenção declarada de reformar a cristandade, Maquiavel publicava O Príncipe, em 1513, o primeiro livro ocidental em mais de mil anos a não conter uma única citação bíblica e nenhuma referência aos escritores da Antiguidade. Em pouquíssimo tempo, O Príncipe tornou-se o outro best-seller do século xvi. Logo surgiu uma abundância de obras puramente seculares, aquilo a que hoje damos o nome de literatura. Não demorou para que surgisse na Inglaterra a primeira forma de arte puramente secular: o tea-tro moderno. Também surgiram instituições totalmente novas: a Ordem Jesuíta, a infantaria espanhola, a primeira marinha moderna e, finalmente, o Estado nacional soberano. Noutras palavras, a revolução da imprensa antecipou a trajectória cumprida pela Revolução Industrial 300 anos mais tarde e que é seguida pela revolução da informação hoje. Ninguém pode prever, por enquanto, quais serão as novas indústrias e instituições. Tornamos a afirmar: a única coisa altamente provável é que nos próximos 20 anos vamos assistir ao aparecimento de uma série de indústrias. Ao mesmo tempo, é quase certo que poucas delas vão sair da tecnologia da informação, do computador, do processamento de dados ou da Internet. Essa previsão é fundamentada pelos precedentes históricos, mas também se aplica às novas indústrias que já estão a nascer, como a biotecnologia e a criação de peixes. Mas é provável que uma série de outras tecnologias se encontrem na fase em que a biotecnologia está há 25 anos — ou seja, prontas para emergir. Também existe um serviço a aguardar o momento de nascer: o dos seguros contra o risco de exposição a moedas estrangeiras. Agora que todas as indústrias ou negócios integram a economia mundial, esse tipo de seguro é tão necessário quanto os seguros contra riscos físicos no início da Revolução Industrial. Todos os conhecimentos para criar seguros contra a instabilidade das moedas estrangeiras existem. Só falta a instituição propriamente dita. Nas próximas duas ou três décadas assistiremos a transformações tecnológicas muito maiores do que as ocorridas nas décadas que se passaram desde o nascimento do computador e também a transformações ainda maiores na estrutura industrial, económica e social. O gentleman versus o tecnológico As novas indústrias que surgiram depois dos caminhos-de-ferro deviam pouco, em termos tecnológicos, à máquina a vapor ou à Revolução Industrial, de modo geral. Tornaram-se possíveis devido à mentalidade criada pela Revolução Industrial e às habilidades por ela desenvolvidas. Uma mentalidade que criou a figura do tecnólogo. O sucesso social e financeiro passou longe, durante muito tempo, do primeiro tecnólogo americano importante, Eli Whitney, cujo descaroçador de algodão, inventado em 1793, foi tão essencial quanto a máquina a vapor para a consolidação da Revolução Industrial. Uma geração mais tarde, porém, o tecnólogo, ainda autodidacta, já se transformara em herói popular americano, figura socialmente aceite e financeiramente recompensada. O primeiro exemplo disso foi talvez Samuel Morse, o inventor do telégrafo. O mais respeitado e célebre foi Thomas Edison. Na Europa, a figura de homem de negócios continuou, durante muito tempo, a ser vista como socialmente inferior, mas em 1830 e 1840 o engenheiro com formação universitária já se tornara um profissional respeitado. Na década de 1850 a Inglaterra perdia a posição de preeminência e começava a ser superada por uma economia industrial, primeiro pelos Estados Unidos e depois pela Alemanha. A principal razão não foi económica e tecnológica, mas social. A Inglaterra continuou a ser a maior potência, em termos financeiros, até à I Grande Guerra e, em termos tecnológicos, manteve a dianteira durante todo o século xix. Mas a Inglaterra não aceitou o tecnólogo em termos sociais, nunca o elevou à categoria de gentleman. Honrando, como nenhum outro país, a figura do cientista, o tecnólogo continuou a ser visto como pequeno comerciante. Tampouco foi na Inglaterra que surgiu a figura do capitalista de investimentos, que possui os meios e a mentalidade necessários para financiar o inesperado. Invenção francesa, primeiro retratada na Comédia Humana, de Balzac, na década de 1840, o capitalista de investimentos foi institucionalizado nos Estados Unidos por J. P. Morgan e, ao mesmo tempo, na Alemanha e no Japão pelo banco universal. Mas a Inglaterra, apesar de ter criado o banco comercial (para financiar o comércio), não possuía instituições que financiassem a indústria — até que dois refugiados alemães, S. G. Warburg e Henry Grunfeld, lançaram em Londres um inovador banco empreendedor, pouco antes da II Guerra Mundial. O suborno do trabalhador O que seria preciso para impedir que os Estados Unidos se transformem na Inglaterra do século xix? Estou convencido de que é uma mudança radical da mentalidade social, do mesmo modo que a posição de liderança na economia industrial, após o advento dos caminhos-de-ferro, exigiu a mudança drástica de pequeno comerciante para tecnólogo ou engenheiro. Aquilo a que chamamos «revolução da informação» não passa, na realidade, de uma revolução do conhecimento. A rotina dos processos não foi possibilitada por máquinas. O computador, na verdade, é apenas o gatilho que a desencadeou. O software é a reorganização do trabalho tradicional, baseado em séculos de experiência, por meio da aplicação do conhecimento e, especialmente, da análise lógica e sistemática. A chave não é a electrónica, mas sim a ciência cognitiva. A chave para manter a liderança na economia e na tecnologia que estão a emergir será a posição social dos trabalhadores do conhecimento e a aceitação dos seus valores. Se eles continuarem a ser tratados como funcionários, isso equivalerá ao tratamento que a Inglaterra deu aos tecnólogos. Hoje, porém, estamos a tentar manter a mentalidade tradicional — na qual o recurso-chave é o capital e quem manda é o financiador — e, ao mesmo tempo, subornar os trabalhadores do conhecimento com bónus e opções de compra de acções — para que se contentem em continuar a ser meros empregados. Mas isso vai funcionar, se é que vai, apenas enquanto as indústrias emergentes desfrutarem da explosão no mercado accionista, como vem sendo o caso das empresas ligadas à Internet. As próximas indústrias de grande porte irão, provavelmente, comportar-se muito mais como as tradicionais. Ou seja, crescerão de maneira lenta, dolorosa e à custa de muito esforço. |
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Condensado de Exame (Brasil) de 22 de Março. © 2000 by Editora Abril. Todos os direitos reservados. Adaptado por Cíntia Sakellarides. Texto extraído da Internet (On Line) disponível no endereço: http://www.centroatl.pt/edigest/edicoes2000/ed_jun/ed68iet-fortes.htmlConsultado em 25/06/2001. |