O QUE SERÁ?

De Michael Dertouzos

 

Como o novo mundo da informação transformará nossas vidas

Maria Christina de Almeida - coordenadora da Revista Acesso

"As questões são tratadas com carinho (e criticamente) tanto em seu lado techie (tecnocrático) como em seu extremo humie (humanista). Sobra afeição, também, pelos usuários das novas tecnologias: os humanistas antiquados que todos nós somos." (p. 18)

O título do livro – O Que Será? – logo me evocou uma das mais inspiradas composições de Chico Buarque, imortalizada na voz de Milton Nascimento. O seu autor, Michael Dertouzos, um grego – não de Esparta, mas de Atenas – é Diretor do Laboratório de Computação do Massachusets Institut of Technology – MIT, com cidadania norte-americana, colabora na área de infra-estrutura da Informação do Governo dos Estados Unidos.

E foi o fato de o autor ser grego de origem que acrescentou um grão de sal na escolha de O Que Será?, ao trazer-me à lembrança a história da fundação, há 2.000 anos, de uma civilização na antiga Grécia, cujos traços permanecem vivos, ainda hoje, na cultura ocidental.

Dertouzos não vai nos oferecer nenhuma nova Ilíada ou Odisséia, mas, utilizando uma prosa honesta, rica e provocativa, tecerá argumentações sobre o fato de que as fundações de um novo mundo estão sendo construídas com a participação cada vez mais intensa e extensa das tecnologias no cotidiano de nossas vidas.

A sustentação de suas idéias sobre as implicações do desenvolvimento das novas tecnologias, na atualidade e para dias mais distantes no futuro, apóia-se no conceito "Mercado de Informação" caracterizado como "uma espécie de Feira Comunitária do século XXI, onde pessoas e computadores podem comprar, vender e trocar informações e serviços de informação livremente" (p. 31).

Seus anos de trabalho em tecnologia de ponta – foi um dos criadores da Internet e participante ativo do Consórcio da World Wide Web – não fazem dele um futurólogo deslumbrado, desses tantos que a terra de Marlboro produz tão freqüentemente com apoio da mídia e depois os exporta para o Mundo.

Dertouzos cria cenários a partir do background acumulado ao longo de 30 anos de pesquisa em alta tecnologia, seja nos Estados Unidos, que lideram disparadamente os avanços nessa área, ou nos países da União Européia, Japão e Hong Kong.

A preocupação do autor está centrada não nos avanços do computador como ferramenta individual, capaz de executar múltiplas tarefas e cada vez mais fácil de ser adquirido pela queda significativa de seu preço, mas, antes de tudo, para a conexão que se pode realizar a partir dele, entre milhares de pessoas com interesses variados e vivendo em partes distintas do mundo. Porém, para que isso aconteça e o Mercado de Informação se organize, é preciso dispor de uma "infra-estrutura comum, feita de ferramentas e serviços informáticos que permitam às suas múltiplas atividades funcionar com eficiência e praticidade." (p. 38-39)

Para que o posto médico possa ser conectado ao laboratório de radiologia ou ao consultório médico, garantindo assim mais eficiência e praticidade no atendimento aos seus clientes, é preciso, além dos micros, dispor de uma infra-estrutura de cabos, linhas telefônicas, satélites ou ondas de rádio.

"As grandes corporações querem abrir lojas ao longo da estrada, mas não consideram que asfaltar seja problema seu." (p. 41)

Se hoje essa infra-estrutura é imperfeita (nesse quesito, os americanos do Sul entendem mais do que os americanos do Norte), não devemos contudo nos impacientar, diz o autor. Afinal foi preciso mais de um século para se passar da máquina a vapor ao motor de combustão interna.

Na Parte I do seu livro – "A cara do futuro" – Dertouzos faz as perguntas que irá responder em seguida, nas partes II, "Como a sua vida vai mudar", e III, "Reconciliando tecnologia e humanismo".

"Os cidadãos comuns serão ouvidos com mais atenção pelos governantes, ou uma assembléia eletrônica é algo inatingível? Os relacionamentos humanos ganharão força ou se tornarão áreas transitórias e superficiais? A qualidade de vida melhorará graças ao acesso à Saúde e à Educação mais rápidas, baratas e melhores? Ou será que o avanço não passa de um coadjuvante nessas metas? Os ricos, cujo poder aquisitivo permite acesso mais rápido à tecnologia, não ficarão mais ricos ainda? Quais os novos equipamentos e interfaces, e como os usaremos?" (p. 46-47)

Não há, aqui, a pretensão de explorar toda a obra do autor, por isso esta resenha abre espaço apenas para o registro de algumas de suas observações, dando ênfase ao que ele tem a dizer sobre a Educação e o Ensino, no contexto desse Mercado.

Comecemos pelo fato de que falar com o seu computador não é uma possibilidade tão remota assim:

"A fala dominará a maioria das interfaces que serão criadas, por duas razões importantes: é natural estabelecermos comunicação com outras pessoas por meio da fala, na maior parte do tempo. E a fala é a tecnologia de interface mais disponível, pronta para explodir em aplicações práticas." (p. 86)

Se, por um lado, é na área de entretenimento que o Mercado de Informação já dispõe de mais recursos, por outro, é a da Saúde que disputa a segunda maior explosão:

"Em poucos anos, especialistas médicos do mundo inteiro estarão disponíveis, onde quer que a pessoa precise deles. E o estado de saúde da pessoa naquele momento assim como os prontuários médicos, poderão ser consultados por qualquer médico, desde que o paciente consinta." (p. 213)

Será que a famigerada fila do nosso INPS está com seus dias contados? SERÁ???

E para a Educação e o Ensino, o que devemos esperar? Ambos também são afetados significativamente pelo Mercado da Informação, mas as mudanças qualificarão melhor esse Mercado?

"Aprender sempre foi uma experiência de contato direto entre pessoas, de modo que é razoável acreditar na necessidade de um processo de relações humanas mediado por computadores, para aprimorar o ensino" (p. 225). "Embora tenham sido feitas experiências ricas e promissoras nos últimos 20 anos [diz ele], ainda é cedo para julgar se o ensino mediado pelo computador vai produzir mudanças significativas."

Dertouzos salienta que há 25 anos os professores valorizam as vantagens operacionais do computador, tais como distribuir lições de casa, receber trabalhos de alunos, passar notas, sem que contudo essas vantagens impliquem benefícios diretos à Educação.

A Internet trouxe vantagens, pois os "alunos podem acessar, usando comandos em linguagem comum, uma biblioteca de arquivos de fotos e muito mais". Mas mais atraentes, para o autor são os "hiperdocumentos" de conhecimento especializado – ferramentas de software que organizam matérias para uso dos estudantes. Os "hiperdocumentos" representam uma mudança significativa, em relação à organização linear do conhecimento, usada há séculos nos livros.

Dertouzos, contudo, não seguirá no raciocínio empolgado com as vantagens apresentadas pelos "hiperdocumentos". "As vantagens de passar aos estudantes o controle do aprendizado podem ser prejudicadas pela falta de orientação de um professor experiente. Na maioria dos casos, combinar as duas abordagens pode exigir mais tempo e esforço do que dispõem tanto o aluno como o professor. Assim que a moda passar, é bem possível que os hiperdocumentos tenham seu espaço como sistemas de indexação úteis, embora exageradamente valorizados." (p. 230)

Nas disciplinas que utilizam mais o cálculo, como Matemática, Física e Engenharia, os "instrumentos de análise" podem melhorar a compreensão dos alunos e aperfeiçoar a sua intuição. Na capacitação profissional, os simuladores são ideais para o desenvolvimento de atividades motoras.

"Mas teriam os simuladores capacidade para ir além do treinamento mecânico, crescendo de modo qualitativo?" (p. 231)

Ao lado dos simuladores estão também "instrumentos de síntese" ou "instrumentos de design", que podem ensinar a projetar objetos reais e virtuais. Nos cursos profissionalizantes, esses softwares permitiriam aos alunos desenvolver design criativo. Como projetar uma mesa para restaurante que mudasse gradualmente o diâmetro? Outros programas poderiam ser utilizados na criação em outras áreas da atividade humana, como na música ou na literatura.

O Mercado de Informação mudará o papel das escolas, das universidades e da comunidade educacional. Mas que mudanças são essas?

"Em certas situações, o aprendizado à distância fará muito sentido. Se a alternativa for nenhuma escola, então a escola virtual será melhor... Na atualização de conhecimentos especializados que enfatizam o aspecto factual, talvez na medicina, também fará sentido ir a uma escola virtual que satisfaça essa necessidade (...) No grosso da Educação, porém, as abordagens do aprendizado à distância não funcionam tão bem quanto os sistemas tradicionais. A Educação é muito mais do que a transferência de conhecimento dos professores para os alunos. Como educador, posso dizer em primeira mão que acender a chama da vontade de aprender no coração dos estudantes, dar o exemplo e criar vínculos entre professores e alunos são fatores essenciais para sucesso do aprendizado. Estas necessidades não podem ser satisfeitas pela tecnologia informática. Portanto, quando o júri finalmente proferir a sua sentença, creio que considerará o Mercado de Informação capacitado a aprimorar o ensino, mas julgará o instrumento pedagógico mais importante." (p. 240)

Um espírito humanista prevalece nesse parágrafo – Dertouzos evoca o ideário socrático do Mestre dialogando com seus discípulos. Para um homem que dedica a sua vida ao desenvolvimento de alta tecnologia e colabora com a equipe da Presidência dos Estados Unidos na área de infra-estrutura da Informação, seria razoável pensar que a aura tecnocrática prevaleceria nas suas argumentações.

Dertouzos pensa a tecnologia servindo ao homem, impondo-se como um movimento cultural, envolvendo pessoas de todo o mundo. Sem arroubos de qualquer espécie, ele conserva no seu estilo a "justa medida" de narrar uma revolução silenciosa que avança sobre o próximo milênio tendo como base material o tripé: Computadores/Sistemas de Comunicação/Redes de Computadores.

 

Condensado da Revista Acesso.

Texto extraído da Internet (On Line) disponível no endereço: http://www.fde.sp.gov.br/acervo/acesso/acesso13/acesso_p7.htm

Consultado em 25/06/2001.